terça-feira, 24 de julho de 2012

Os cinco pontos do meu calvinismo

Quando procurei fugir da antiintelectualidade dos círculos evangélicos, encontrei vigor intelectual e vida inteligente entre os calvinistas. Quando procurei fugir do legalismo, da meritocracia e barganha religiosa me refugiei na graça pregada pelos calvinistas.

Por isso, apesar de rejeitar o clericalismo e determinismo mecanicista, ainda guardo profundo respeito pela tradição ligada ao reformador suíço João Calvino. Evidencio esse respeito no acolhimento do princípio de vivenciar hoje uma espiritualidade em constante reforma e no esforço para construir formulações de fé apropriadas ao nosso tempo, como fez o jovem Calvino quando reformou uma fé ainda muito presa no medievo contextualizando-a com a emergente modernidade.

A síntese dos cânones teológicos definidos no Sínodo de Dordrecht, conhecida como os "Os cinco pontos do calvinismo" fala sobre: Depravação total do homem; Eleição incondicional; Expiação limitada; Graça Irresistível; e Perseverança dos santos. Tomei a liberdade de reinterpretar esses pontos, me atrevendo a chamá-los de "Os cinco pontos do meu calvinismo":

1) Salvação divina
Rejeito sistemas religiosos orientados para a escolha e promoção dos mais dotados. Considero a meritocracia religiosa profundamente perniciosa e arrogante. As boas-obras praticadas por qualquer confissão, embora muitas vezes válidas e até recomendáveis, devem ser relativizadas e criticadas e são totalmente insuficientes para a salvação. Acredito na incapacidade humana de se auto-salvar. A salvação pertence a Deus.

2) Eleição incondicional
O Deus triúno que desde toda a eternidade existia em comunhão dinâmica consigo mesmo decidiu manifestar seu amor e graça salvadora predestinando a humanidade para salvação. A salvação é um presente dado resultado de decisão soberana, incondicional, irrevogável, insondável, sem levar em conta o mérito e sem fazer acepção de pessoas, para o benefício de todos. O salvo é o reconciliado com o Criador (sua criação, demais criaturas) e consigo mesmo.

3) Reconciliação ilimitada
A obra redentora de Cristo realizada antes da fundação do mundo foi de valor ilimitado e totalmente bem sucedida para anular qualquer implicação condenatória da queda histórica da humanidade, bem como de quedas de uma vida distanciada da graça. O eterno plano divino de salvação foi dramatizado no tempo e espaço pela encarnação, vida, morte e ressureição do Cristo. Ele é a ponte reconciliadora entre Deus e os homens de todos as épocas, lugares, culturas e religiões.

4) Graça inspiradora
A graça aceita ser menosprezada, esquecida e insultada. Não tenta agradar a si mesma e não tem prazer em controlar ou impor sua vontade. Ela é irmã da liberdade. Sua influência é suave, bela, bondosa e inspiradora. Ela cativa nosso coração para se encantar com o mistério, amar e enxergar a beleza da vida. Ela nos leva a celebrar as sensações e as relações. Nos traz esperança em meio ao desespero e nos mobiliza a agir de forma altruísta.

5) Esperança inesgotável
Nada e ninguém pode nos separar do amor de Deus. Essa esperança é terapêutica e mobilizadora, na medida que exorciza nosso mau agouro e pessimismo e encoraja nossa valentia e intrepidez em um mundo que segue um curso histórico contingente e cheio de contradições. É motor de uma fé perseverante que tinge com as cores da aurora de um novo dia esperado tudo o que existe.

Longe de querer colocar Deus numa caixinha, promover determinada vertente teológica ou mesmo criar uma nova, esses pontos são apenas reflexões pessoais que fui sistematizando ao longo do tempo. Todos eles são zurros! Repeti, modifiquei, desvendei, transpus coisas que acreditei com base nas minhas próprias vivências, e esse é um processo sempre incerto e inacabado.